
Dra. Catarina Cunha Fernandes
ADVOGADA
I. Objecto
É legalmente possível a adopção de crianças por candidatos “homossexuais”?
II. Enquadramento
Para analisarmos, correctamente, a questão que aqui se coloca é inevitável fazer-se um breve enquadramento do instituto da adopção.
Este enquadramento permite não só o alcance de uma melhor compreensão da matéria com a análise da letra da lei, como também, do espírito do próprio legislador.
O instituto da adopção nasce da necessidade de conferir protecção à criança desprovida de um meio familiar normal (1) e caracteriza-se como sendo o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece entre duas pessoas nos termos do disposto no artigo 1973.º do Código Civil (2).
Para tal, naturalmente, é necessário que se verifique alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do C.C., designadamente:
- pais incógnitos ou falecidos;
- progenitores que prestaram consentimento prévio para a adopção; abandono do menor;
- incapacidade dos progenitores relativamente ao cumprimento das suas responsabilidades parentais, colocando em perigo grave (3) a criança;
- e por último, acolhimento do menor por um particular ou por uma instituição sendo que, aquando deste, os pais revelem desinteresse pelo filho em termos de comprometer, seriamente, a qualidade e continuidade dos vínculos afectivos (durante, pelo menos, os três meses que procederam o pedido de confiança).
Significa o exposto que estas crianças, já por si, transportam algum sofrimento, intrínseco a qualquer um dos casos pelos quais tenham passado e que, inevitavelmente, se encontram sofridas e desprovidas de um seio familiar adequado ao seu crescimento e necessidades.
Ora, é, precisamente, isto que se pretende assegurar com a adopção.
Como, originariamente, adiantado no preâmbulo do Decreto-lei n.º 185/93 de 22.05, “(…) se mantém actual o interesse pela adopção como sadio instrumento utilizado pela comunidade a favor das crianças desprotegidas” e “a despeito das modificações ocorridas na composição e na estrutura da família limitada agora àquilo a que alguém já chamou o seu “núcleo irredutível”, ela continua a ser a principal instituição socializadora das crianças, sendo nela que se opera o “segundo nascimento do homem”.
A família é, pois, “o lugar onde as relações familiares são mais densas e ricas, o lugar por excelência para a educação das crianças (4)”.
Mais recentemente, diz-nos a exposição dos motivos da proposta de Lei n.º 57/IX que deu origem à Lei n.º 31/2003 de 22.08 que “a adopção é uma alternativa à filiação natural, cujos efeitos se aproximam tanto quanto possível dos desta. Destina-se a encontrar uma família e, nomeadamente, uns pais, para as crianças que não tiveram a sorte de nascer dotadas de uma família
natural, onde se pudessem desenvolver harmoniosamente ou que a vieram a perder (…).”
Feito este ligeiro enquadramento, parece-nos que tudo o que estas crianças menos precisam é de mais um risco ou confronto social com uma matéria cuja resolução se encontra na lei portuguesa. Vejamos, mais especificamente, adiante.
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