Catarina Cunha Fernandes - Advogados

– Como encara o surgimento da ANASP no actual contexto da segurança privada?

 

Encaro com muito positivismo. O sector da segurança privada precisa de ser dignificado, como tal, carece de um rigor maior. É com este rigor que alcançaremos o profissionalismo pretendido e, consequentemente, uma maior confiança para a aposta necessária nesta área.

Gosto de ver nascer organismos combativos que se preocupam em analisar, de forma consciente, o desenvolvimento da segurança privada; as suas irregularidades, muitas cometidas de forma reiterada e, principalmente, as suas causas. Considero que a ANSP tem demonstrado estas preocupações, bem como, assegurado o garante do dever de informação que, até então, se encontrava carenciado. Neste sentido, o papel da ANSP tem assumido especial relevo.

Ainda assim, é importante que os profissionais do sector encarem a ANSP como um parceiro de trabalho.

 

– Apoia a integração da ANASP no Conselho de Segurança Privada?

 

Claro que sim. É um passo desejável e bastante significativo pela crescente proximidade que assume.

 

– Como jurista, que alternativas legislativas proporia para melhorar o sector da segurança privada?

 

Várias! Vou cingir-me, neste momento, apenas a alguns sob pena de me tornar demasiado exaustiva.

As duas primeiras e grandes alterações que proporia relacionam-se com a contratação pública.

Curiosamente, esta matéria é, no meu entendimento, a base para a grande mudança do sector.

A legalidade da segurança privada não pode existir se, na prática, os próprios Organismos Públicos aceitam a concurso e,  posteriormente, adjudicam propostas com preços anormalmente baixos.

Preços que, mediante análise de uma simples nota justificativa, se verificam verdadeiramente incomportáveis com a realidade dos vencimentos base e valores hora mínimos (diurno/nocturno/em dia feriado/em dia de folga/suplementar) aplicados ao sector. Para tanto, bastaria que o Digníssimo Júri, de determinado Concurso Público, fizesse uma análise prévia e rigorosa da tabela salarial aplicável ao sector.

A segunda alteração, prender-se-ia com a eliminação de critérios de admissão descriminatórios e ilegais, como sendo, o caso de propor-se, em um caderno de encargos, o número de vigilantes inscritos na base de dados da PSP como critério de desempate dos candidatos submetidos a concurso. Ora, evidentemente, uma empresa de dimensões maiores e com um maior número de serviços adjudicados assume uma posição, claramente, vantajosa face a uma outra empresa, igualmente, credível mas de menores proporções.

É necessário fazer justiça e não permitir o sufoco das pequenas e médias empresas, aplicando-se, para tal, de forma justa, equitativa e rigorosa os princípios legais, já contemplados na lei da contratação pública e da própria Constituição da República Portuguesa.

A terceira grande alteração prender-se-ia com a formação ministrada aos profissionais do sector.

É necessário investir na formação, encarando-a como uma mais valia, como um factor de sucesso. É urgente reajustar os conteúdos formativos (quer dos cursos iniciais quer dos cursos de actualização) e respectivas cargas horárias às necessidades práticas do sector e, ainda, em contexto de especialização, às áreas específicas que as diversas empresas de segurança privada resolvem desenvolver. Neste âmbito, considero, igualmente, útil o dever das próprias empresas de segurança privada ministrarem, com alguma periodicidade, formação teórico-prática nos seus diversos postos de trabalho, através de formadores credenciados, com experiência na área e, devidamente, inscritos na base de dados da PSP.

Existem áreas especificas da segurança privada, como a vigilância electrónica, a vigilância com utilização de canídeos, o transporte de valores e até mesmo a gestão de centrais de alarmes e a supervisão de equipas de vigilantes que deveriam contemplar matérias teórico-práticas específicas e de maior rigor formativo.

Para os casos das pequenas e médias empresas, com fracos recursos económicos mas demonstradoras de trabalho digno e esforçado, valeria a pena pensar na possibilidade de candidaturas a cursos co-financiados.

A quarta grande alteração prender-se-ia com os requisitos necessários para a obtenção de licença e alvará. Os requisitos exigidos são, por si só, tão basilares e mínimos que chegamos à conclusão que é demasiado fácil constituir uma empresa de segurança privada. No fundo, o maior obstáculo prende-se, provavelmente, com a capacidade financeira para o investimento inicial, quando dever-se-ia prender com critérios intelectuais e estruturais de outra dimensão. Neste sentido, julgo começarmos a conseguir eliminar o nascimento de novas empresas de segurança privada comummente catologadas de “vão de escada”.

A quinta alteração prender-se-ia, curiosamente, com as útimas alterações ao Decreto-Lei n.º 35/2004 de 21 de Fevereiro, introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto. A responsabilização criminal expressa nos termos do disposto nos artigos 32.º-A e 32.º-B deve, no meu entender, ser melhor reflectida. Não terá o legislador pretendido salvaguardar os ilícitos ocorridos nos estabelecimentos nocturnos com espaços de dança e acabado por criar situações de conflito? A saída não está em passar o ilícito contra-ordenacional para a responsabilização criminal sem mais nem menos. Na minha óptica não se devia, na prática, compelir um vigilante, que aufere um parco salário, a liquidar uma pena de multa por facto a si não imputável, uma vez que a sua entidade patronal não fez chegar, em tempo útil, o seu processo ao Departamento de Operações da PSP.

A sexta alteração que proporia, por ora, prende-se com uma matéria que vejo que já tem vindo a ser questionada por outros profissionais: a necessidade de definição das diversas categorias profissionais do sector e respectivas funções. É urgente confirmar se, de facto, estão contempladas todas as categorias necessárias ao sector e, especialmente, definir com maior rigor e detalhe as respectivas funções para que não se concedam abusos aleatórios e exarcebados na obrigação de outras funções que em nada se relaciona(m) com a (s) contratualizada (s).

 

– Considera a segurança privada uma ameaça à segurança pública, em termos de desempenho?

 

Todos temos tendência para nos esquecer que os profissionais da segurança privada são, precisamente, aquelas pessoas que mais facilmente têm acesso a informações classificadas e confidenciais, a cofres, ao conhecimento estratégico de determinados edifícios, entre outros aspectos. Se estas pessoas não revelarem idoneidade para o exercício da função, gosto pleno pela mesma e, especialmente, se não forem alvo da formação adequada, na eventualidade de um cenário dantesco, por ora inimaginável mas, sinceramente, possível, a nossa sociedade pode correr riscos desnecessários mas imensuráveis.

 

– O actual quadro formativo é adequado às necessidades destes profissionais?

 

Penso que a formação que actualmente se exige abarca áreas relevantas para o exercício da actividade mas faltam outras, igualmente, de grande relevo que não podem ser deixadas de parte. Considero também que os cursos de actualização não estão definidos e que a componente prática e no próprio posto de trabalho deveria ser aprofundada e exigida com uma periodicidade mínima obrigatória. Não faz sentido um vigilante apenas efectuar um curso de formação inicial no momento em que se pretende candidatar ao exercício da profissão e, posteriormente, apenas de cinco em cinco anos ser submetido a um curso de actualização. A componente da obrigatoriedade assume aqui especial relevo porque, infelizmente, nem todas as empresas nacionais de segurança privada têm a autonomia de aposta na formação dos seus colaboradores.

A formação é uma mais valia e a sua especialização também.

 

– As empresas de segurança privada cumprem integralmente com os seus agentes, quer em termos salariais e em termos de criação de condições adequadas de trabalho?

 

Como em todas as actividades laborais, existem as que cumprem e as que não cumprem. Não podemos, de todo, generalizar a nossa opinião e muito menos permitir que o sector seja denegrido pelo incumprimento de certas empresas. Relevante seria perceber a razão desses incumprimentos e, especialmente, se em caso de reiteração dos mesmos. A própria PSP deveria criar e manter actualizada uma base de dados que contabilizasse, por ano, as contra ordenações efectivamente dadas como provadas contra determinada empresa de segurança privada.

 

– O porte de arma por agentes de segurança privada é um tema muito sensível neste sector. Como encara esta situação?

 

Efectivamente, é um tema extremamente sensível. A pergunta que faço é esta: porque é que em Portugal, temos tanto receio em fornecer uma arma a um profissional da segurança privada? Ora, esta pergunta vem precisamente ao encontro da resposta que a sua exige. É que nós (público em geral) não acreditamos nas capacidades dos nossos profissionais. No fundo, consideramos que esses mesmos profissionais não têm a escolaridade e a formação mínima desejável que os possibilite actuar com discernimento em cenários de risco que impliquem ou possam vir a implicar o uso de uma arma de fogo. Não é, de todo o modo, despiciendo considerar (como muitos profissionais reputados também consideram) que a utilização de armas, potencia e amplia perigosidade em cenário de crise..

No entanto, no meu entendimento, faz todo o sentido que estes profissionais sejam dotados de licença de uso e porte de arma sendo que para o efeito devem receber formação rigorosa. Apenas com o cumprimento de determinados requisitos é que estes profissionais poderão utilizar a arma em pleno exercício de funções.

 

– As actuais greves do sector da segurança privada em geral são oportunas e justas?

 

Não sou apologista de greves. Nunca fui, mas é uma opinião pessoal. Não critico, no entanto, quem o faça. As greves no fundo demonstram o desagrado dos profissionais do foro e este é um aspecto importante a tomar em consideração. Oportunas ou não, se existem, devem ser compreendidas as motivações das mesmas.

 

– O que falta no sector da segurança privada para se tornar um motor de desenvolvimento em termos sociais?

 

Tanta coisa!..Sintetizaria com uma maior dignificação do sector que passa pela credibilização e aposta no mesmo. É necessário apostar no sector, apostar na formação, exigir qualidade no desempenho do serviço para que, assim, os que permanecam em exercício de funções façam a diferença e se tornem uma mais valia para a tranquilidade da nossa sociedade. Serão estes bons profissionais que passam a mensagem de rigor e profissionalismo que irá mudar as mentalidades de todos nós.

 

– A segurança privada é vista meramente como um negócio que dá milhões ou existe também a vertente humana? Esta, salvo raras excepções é posta de lado…concorda?

 

A segurança privada não é um negócio de milhões! Essa é uma ideia errada. Agora, evidentemente que esta actividade passa pela vertente humana; é, aliás, uma actividade, substancialmente, de recursos a meios humanos. São estes Homens que fazem mexer uma empresa, que criam e consolidam a imagem de uma empresa e são, também, estes que a conseguem denegrir ou colocar perante um cenário impróprio.

Infelizmente, sim, os profissionais da actividade, sobretudo os vigilantes, são inúmeras vezes esquecidos senão mesmo lesados nos seus direitos e garantias.

 

– Actualmente assistimos a fenómenos de violência em todo o lado, nas escolas, nas ruas e em locais onde não era suposto existir. A que se deve este fenómeno, nomeadamente o Bullying?

 

A criminalidade existe e está cada vez mais violenta. Este é um factor cerne que deve estar premente na nossa mente.

O bulling é fruto daquilo que as próprias crianças assistem em casa e/ou nos meios onde vivem. A sociedade, de uma forma em geral, está cada vez mais violenta. Os crimes tomaram outras proporções e denota-se uma maior frieza na actuação dos criminosos.

Quem lida com o crime, diariamente, percebe que para além do seu crescente aumento, ano após ano (contrariamente à opinião que o Senhor Ministro da Administração Manifestou, quanto ao decréscimo que afirma verificado neste ano), o acto criminal está notória e crescentemente violento. Já, praticamente, não lidamos com simples furtos mas logo com outors tipos de ilícito, cmo sejam, o roubo ou as tentativas de homicidio.

 

– O terrorismo assola o mundo inteiro. Em Portugal começa a ter mais visibilidade mediática. Pode dizer-se que estamos vulneráveis a este fenómeno ou existem falhas na segurança?

 

Estamos, sem dúvida. Existem muitas falhas que, a título preventivo, já deveriam estar a ser estudadas. Portugal está sem capacidade de reacção.

 

– Que papel está reservado aos sindicatos do sector com o aparecimento da ANASP?

 

A ANASP tem demonstrado ser um grande apoio aos profissionais do sector. Um apoio consistente, informado e combativo.

Contrariamente, os sindicatos já há muito que demonstram alguma inércia no que respeita às matérias deste sector. São pacatos, demasiado silenciosos, muito pouco pró-activos e pouco esclarecedores e empenhados, o que é uma pena.

A luta por direitos e igualdades dos trabalhadores e a análise, necessária, d própria actividade concursal, não pode passar, apenas, pelo recurso à fase judicial

 

– A fiscalização dos transportes públicos por parte dos ASP é legal ou não?

 

Absolutamente legal. Vej-se o exemplo na Carris com a empresa Strong: limitam-se a verificar o título de transporte e identificam os infractores (se estes anuirem). Os agentes de segurança contratados, que estão a actuar, limitam-se a entregar às autoridades legais, no caso PSP, (dever de cooperação que lhes assiste) o prevericador minimizando ainda o risco que os funcionários da Carris corriam por não lhes ser reconhecida qualquer espécie de “autoridade”, a qual, felizmente, vai sendo reconhecida aos profissionais da segurança privada.

– Existe efectiva ligação entre ganges e segurança privada, nomeadamente na segurança nocturna?

 

De forma alguma a minha ligação ao sector e a visão do mesmo me permite essa ligação em que não acredito pessoalmente.
Podem como em qualquer actividades existir maus profissionais. Isso não deve nem pode ser confundido com “ligações institucionais”.

 

– Que leitura faz da venda de cartões falsos a vigilantes e seguranças?

O Cartão de Profissional foi uma das maiores conquistas dos profissionais de segurança privada.
Tal título configura a profissionalização, o reconhecimento e a validade social.
Tal como se falsificam bilhetes de identidade e passaportes de cidadãos, é provável (desconheço qualquer caso), mas é provável que se falsifiquem esses títulos.

Isso não diminui a sua importância, pelo contrário, vai ao encontro do que disse e da importância de tal instrumento.
Estou segura que as empresas conscientes ajudarão a controlar esse eventual mau desígnio.

 

– A recente vontade ministerial em “aperfeiçoar” a lei que rege a segurança privada é para levar a sério ou é mais uma “promessa”?

 

O facto de já existir a demonstração dessa vontade ministerial, demonstrada recentemente através do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Exmo. Sr. Dr. Conde Rodrigues, prova que o sector da segurança privada é alvo de debate, de troca de ideias e, consequentemente, após análise, da necessidade de melhor regulamentação.

Evidentemente que deve ser tomada em consideração e ser tida como uma medida de apoio e encorajamento aos profisionais do sector. Quando menciono profissionais do sector abarco, igualmente, os diversos cargos directivos e os próprios Adminsitradores e Gerentes de Empresas de Segurança Privada, pois também eles, se dedicados e empenhados na sua actividade, pretendem mudanças, melhor regulamentação e equidade na actividade que desenvolvem e procuram implementar e fazer crescer no mercado.

A necessidade de tornar a lei mais exigente como refere o dr Conde Rodrigues, é sem dúvida o primeiro passo para a tornar real.

Concordo com as matérias defedidas para alvo de ajustamentos, dando especial prioridade à questão da formação.

 

– Esta vontade ministerial em mexer na Lei da Segurança Privada resulta das pressões que a ANASP colocou nos responsáveis pelo sector?

 

É indubitável que o papel da ANSP é cerne nesta tomada de decisões. A ANSP é mais um organismo interventivo mas que, na prática, tem assumido um papel bastante significativo com a sua luta constante em prol da defesa dos direitos e liberdades dos trabalhadores deste sector. E assim, tem vindo a destacar-se no seu papel porque, efectivamente, assume um conjunto de responsabilidades que acaba sempre por efectivar e levar a bom porto.

O esforço que a ANASP tem feito para ser ouvida e para se fazer ouvir, junto de diversoso Organismos relevantes, inclusivé junto dos Senhores Deputados e do Senhor Secretário de Estado, é fruto do esforço do seu trabalho.

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